segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Não era para ser assim!

O mundo em que vivemos por mais natural que possa parecer, não é o mundo que “deveria” ser. Não quero dizer com isto que algum dos planos de Deus foi anulado ou mudado, mas que quando o Deus criador afirmou que tudo o que fizera era bom, não estava se referindo ao mundo que vivemos atualmente. Este não é o mundo elaborado por Deus, na verdade, é um mundo muito diferente daquilo que nós mesmos poderíamos chamar de bom, quanto mais Deus. Há quem diga que já vivemos no próprio inferno, obviamente se tais pessoas lessem um pouco mais da Bíblia descobririam que estamos num grande paraíso comparado com o que está reservado para satanás e seus anjos, por outro lado, também estamos muito distante daquilo que um dia foi chamado de Jardim dos Prazeres. Mas o que aconteceu!? O que tornou o Jardim dos prazeres no Inferno dos ignorantes Bíblicos? Quando foi que as coisas começaram a piorar tanto? E principalmente, quem é o culpado te toda esta confusão (para que eu possa dar um bom corretivo nele)?

A história começa com a trindade santa criando todas as coisas pelo poder do verbo. Tudo até então era sem forma e vazio e Deus foi agindo e preenchendo todas as coisas e trazendo forma, cor e melodia a tudo que surgia ex nihilo. A esta maravilhosa criação Deus deu o adjetivo tov, que significa bom, mas é claro que este bom, não é tão simples como pensamos em português. Tov é o estado das coisas na sua forma mais perfeita, na forma que em foram criadas, na forma como Deus planejou. Os profetas também usaram um substantivo para designar este estado de perfeição, uma palavra de certa forma comum em nossos dias, e que por conta disto perdeu um pouco do seu brilho, mas que em tempos proféticos era usada para designar o estado desejado de bonança e paz. Refiro-me a palavra Shalom, que normalmente se traduz como paz, mas que tem significado muito mais imponente e desafiador. Podemos encontrar na Bíblia Hebraica pelo menos 267 vezes esta palavra sendo usada. Um texto muito conhecido e que nos parece exprimir bem a ideia de Shalom para Israel é Is 9:6-7:

Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR dos Exércitos fará isto.

A paz sem fim estabelecida mediante o juízo e a justiça. “A essa teia que ajunta Deus, homens e toda a criação em justiça e gozo, é que os profetas hebreus chamam de Shalom, (...) um rico estado de coisas no qual necessidade naturais são satisfeitas e dons naturais frutiferamente empregados, um estado de coisas que inspira agradável surpresa à medida que seu Criador e Salvador abre as portas e recebe a criatura em que se deleita. Shalom, em outras palavras, é como as coisas deviam ser.”[1] Mas a história continua e o Shalom foi incomodado pela criatura mais extraordinária e perfeita da criação: O homem. Este ser criado para adorar e satisfazer-se em Deus, para quem foi dado o Jardim do Éden, para quem foi dada toda a criação afim de que cuidasse e aproveitasse dela, este ser desprezou completamente a Deus, perturbou o Shalom e fez com que as coisas que deveriam ser agora não fossem mais, em outras palavras, entrou o pecado no mundo. Nesta definição Pecado é tudo aquilo que se opõe ao Shalom de Deus, é tudo o que afronta e ataca a justiça, paz e gozo do Criador. E por fim ataca todo o resto da criação moldando cada centímetro da criação para um fim que não fora criado. Para fazer um exercício mental, permita-me refletir sobre como as coisas deveriam ser num estado Shalômico: “a constituição e as relações internas de um grande número de entidades – Santa Trindade, o mundo físico em sua plenitude, a raça humana, comunidades dentro dessa raça (como o antigo povo de Israel, a igreja do Novo Testamento, a Associação Brasileira de Músicos), famílias, casais casados, grupos de amigos, e seres humanos como indivíduos. Num estado Shalômico cada entidade teria sua própria integridade ou totalidade estrutural. O clube de veículos Off Road, por exemplo, deveria relacionar-se com os córregos nas florestas colocando-os fora de seus limites a fim de preservar sua saúde ecológica.”[2] “Quem sabe no mundo como deveria ser” não precisaríamos falar “minha igreja” ou mesmo usar a palavra igreja no plural, pois todos faríamos parte de uma única e mesma Igreja. Neste mundo bucólico para os mais árcades, e com prédios “arranha-céu” para os pós-modernos, todo o prazer e alegria seriam estabelecidos e permitidos, a presença viva de Deus seria a garantia da satisfação, e o homem jamais se encontraria numa busca incansável por respostas, pois o Ser que não se move a todos dá com alegria sabedoria. Olhando desta maneira percebemos que realmente perdemos muito com a tão falada queda do homem, e a partir do que foi perdido podemos começar a imaginar o que é PECADO. Para entendermos o que aconteceu precisamos voltar ao agora sonhado jardim do éden e descobrir com nossos próprios olhos o que aconteceu no coração do homem para largar tudo o que Deus havia pactuado com ele.

Gênesis 2:25 - 3:7 Ora, um e outro, o homem e sua mulher, estavam nus e não se envergonhavam. Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o SENHOR Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais. Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu. Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si.

“A Queda envolveu mudanças radicais nas quatro áreas que definem qualquer cosmovisão: conhecimento (epistemologia), existência (ontologia), ação (ética), e alvo do universo (teleologia). Isso quer dizer, com a chegada da palavra da serpente, Adão e Eva enfrentaram dois universos diferentes e contraditórios.”[3]

Tabela de Cosmovisões.[4]

Cosmovisão divina

Cosmovisão satânica

Como Criador, Deus controla e interpreta o universo. A interpretação certa do mundo está na Sua Palavra (Pv. 1:7; 9:10; 15:33).

“É assim que Deus disse?” (v. 1) A clareza da revelação de Deus é questionada, implicando que Deus não é capaz de se revelar. A interpretação de Deus é somente uma possibilidade, ou hipótese, para ser verificada mediante um critério fora dEle. Os princípios para a interpretação do universo existem no mundo independentemente de Deus.

Como Criador, Deus, necessariamente, é capaz de dar uma revelação bastante CLARA para ser entendido, SUFICIENTE para cumprir os fins dEle e providenciar as necessidades do homem, e INERRANTE (Sl. 19, 119; Pv. 30:5; 2Tm. 3:16-7) O ser humano depende de “toda palavra que sai da boca de Deus.” (Mt. 4:4) para a interpretação correta do mundo.

“...nem nele tocareis...” (v. 3) Deus não falou que eles não poderiam tocar no fruto ou na árvore. Eva negou a CLAREZA da Palavra de Deus através da sua interpretação que mudou a Palavra. Ela negou a SUFICIÊNCIA da Palavra acrescentando um outro requerimento. A mudança da Palavra por Eva constituiu uma negação da INERRÂNCIA da Palavra de Deus. Sem uma interpretação inerrante de Deus, a interpretação do ser humano é o ponto de referência final para conhecer a verdade (autonomia epistemológica).

Deus conhece e determina o curso da história (Is. 41:21-29; Pv. 21:1). Ele fez o mundo de tal maneira que os pecadores morrem (Rm. 3:23). Nada acontece por acaso e o futuro do ser humano depende da vontade de Deus (Pv. 16:33; At 17:26; Rm. 9:20-21).

“Certamente não morrereis”. (v. 4) Uma negação total da Palavra de Deus segue naturalmente os pressupostos anteriores. Deus não controla o universo e Ele não “faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade.” (Ef. 1:11). O pecador não vai morrer, porque o futuro é possibilidade pura e indeterminada. O futuro é criado através do soberano livre-arbítrio do ser humano (autonomia metafísica ou ontológica). O princípio último que determina o futuro é o acaso.

Deus é amor (1Jo 4:8) e providencia tudo de que os seus filhos precisam (Mt. 6:25-34).

“Porque Deus sabe que...” (v. 5). O Deus da Bíblia não é um Deus bondoso mas Ele é um tirano que não quer compartilhar coisas boas com o homem.

O conhecimento de Deus vem através da Palavra de Deus e de um relacionamento pessoal com Ele. A mente nunca é desvalorizada, mas tem que ser renovada mediante a Palavra (Rm 12:1-2). É proibido se envolver com o ocultismo, seja ele do tipo que for (Dt. 18:9-14).

“vossos olhos se abrirão...” (v. 5). O conhecimento secreto e oculto é a chave para a vida plena. Portanto, o progresso espiritual é conseguido através do misticismo, da feitiçaria, de organizações ocultas e secretas, e até pela orientação de espíritos.

Só há um Deus e jamais haverá outro (Is. 43:10). Deus é imutável (Tg. 1:17). O fim do homem é conhecer, glorificar, e servir ao único Deus. A salvação é viver com Ele para sempre (1Tss. 4:17; Ap 22:1-5)

“...sereis como Deus...” (v. 5). O fim último da vida é se tornar um deus. Não há distinção entre o Criador e a criatura. O alvo da vida humana é promover ou descobrir sua própria divindade. Deus (o cosmos, etc.) também está evoluindo, crescendo e aprendendo mais e mais. Salvação quer dizer subir na escala da existência (autonomia teleológica).

Deus é o sumo bem e a Palavra de Deus é a fonte do conhecimento do bem e do mal. A lei de Deus é o padrão absoluto (Êx. 20:1-17).

“...conhecendo o bem e o mal.” (v. 5). O homem determina o bem e o mal. Não há uma lei moral absoluta que exista fora da mente do ser humano. Toda ética é relativa (autonomia ética).

Deus deu a Adão e Eva o imperativo cultural. Gn. 1:28-30 - O imperativo cultural é o mandamento de Deus dado ao homem para dominar e sujeitar a terra e os animais. A motivação de ação do homem era desenvolver o reino de Deus na terra como representante de Deus. Adão e Eva eram responsáveis em funcionar como intérpretes do mundo (profetas), em se relacionar pessoalmente com Deus (sacerdotes), e em reinar sobre o mundo (reis).

“...boa para se comer, e agradável aos olhos, e... desejável para dar entendimento ...” (v. 6). A motivação da ação (ética) tornou-se “...a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida.” (1João 2:16). Daí para frente o homem viveria para buscar seu próprio prazer.

O pecador se sente culpado porque ele é culpável objetivamente. O homem perdeu os papéis de profeta, sacerdote e rei. O pressuposto de autonomia significa que a sua interpretação do mundo seria errada, o seu relacionamento com Deus seria rompido, e a terra seria maldita e que ela resistiria ao domínio do homem. O homem não pode cobrir o pecado dele. Somente Deus pode fazer isso, através do derramamento do sangue de um substituto (Gn 3:21). Deus prometeu um Salvador que resgataria o homem (Gn 3:15)

“...e conheceram que estavam nus; pelo que coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.” Com a autonomia, veio um sentido de ansiedade, rompimento com Deus e falta de paz. A salvação é conseguida por meio de obras humanas (Gn. 3:7). Iniciou-se a tendência de se fugir da responsabilidade de suas próprias ações, culpando-se os outros (Gn. 3:12-13).

Os olhos humanos foram tentados e a cobiça por independência de Deus, a “certeza” de impunidade mediante a desobediência, tornaram atrativas as mentiras de Satã. A infidelidade e o orgulho encheram o coração do homem, que desejou ser ele próprio o centro de todas as coisas. Acreditava que por si só poderia manter o Shalom de Deus, e assim, zombou do criador, preferindo a cosmovisão satânica. “Portanto, arrebatado pelas blasfêmias do Diabo, Adão aniquilou, quanto estava a seu alcance, toda a glória de Deus.”[5]



Ronaldo Barboza de Vasconcelos.



[1] PLANTINGA, Cornelius, Jr. Não era para ser assim: Um resumo da dinâmica e natureza do pecado. Trad: Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 1998. Pag. 23-24.

[2] Ibid.

[3] FERREIRA, Franklin, MYATT, Alan. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2002.

[4] Ibid.

[5] CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã ou Tratado da Religião Cristã. Vol. 2. Edição Clássica. Trad. Dr. Waldyr Carvalho Luz São Paulo: Cultura Cristã, 1985.

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