terça-feira, 23 de março de 2010

Pecado: Uma definição (Parte I)

Temos falado de pecado até agora sem buscar uma definição mais exata do que estamos realmente falando. Isso foi proposital para que falássemos inicialmente da queda, que é onde tudo começou, e, posteriormente, pudéssemos buscar uma definição Bíblica para o resultado disso. A primeira coisa que precisamos ter em mente é que não existe pecado se não existe Deus, a referência da definição de pecado tem que estar em Deus para fazer algum sentido, inclusive entendendo ser Ele o legislador e o juiz. Portanto, “pecado é um conceito religioso e não apenas moral”[1]. E assim, “pecado não é apenas a quebra da lei, mas também a quebra da aliança com o Salvador”[2]. Para compreender melhor o que isso significa precisamos entender o que significa Aliança.

A palavra Aliança é a tradução da palavra hebraica tyrIB. Esta palavra só surge no texto hebraico no capítulo 9 de Gênesis, quando Deus faz uma aliança com Noé. É um acordo ou contrato feito por pelo menos duas pessoas com promessas de benção na manutenção do acordo, e maldição na quebra. No entanto, antes do capítulo 9, temos uma clara manifestação de uma Aliança, essa Aliança é chama de Pacto de Obras:

Gênesis 2.15-17 E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar. E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.

Se fizermos uma comparação com os elementos de um contrato em nossos dias, encontraremos uma grande semelhança nos elementos da Aliança de Deus com o Homem. Dessa forma, temos os elementos necessários para um contrato:

1. Capacidade das partes (Gn 2.25)

2. Objeto do contrato (Gn 2.16-17)

3. Forma (Gn 2.15-17)

Na Aliança entre Deus e o homem, o contratante-Deus deu a terra para o contratado-homem afim de que ele a lavrasse e guardasse. Os benefícios para o homem também faziam parte do contrato: Ele poderia usufruir de toda a criação comendo livremente das árvores do jardim. Os malefícios do não cumprimento também estavam claros: certamente morrerás. Deixando de lado um pouco a linguagem jurídica, existe outra ênfase na Aliança de Deus e Adão. A Aliança deles significava intimidade, amizade, união. A quebra da Aliança significa uma quebra da amizade e do relacionamento com Deus. Por isso, certamente morrerás.

Após a queda mais algumas Alianças são feitas entre Deus e o homem, como a de Noé e a de Abraão. O ato de Deus se unir ao homem nos mostra o profundo interesse de Deus pelo homem. Os dispensacionalistas, por não compreenderem isso, dividiram essas Alianças no que eles chamam de dispensações, que são espécies de tentativas diferentes de Deus de se relacionar com o homem através dos Pactos. Chegam ao ponto absurdo de defender formas diferentes de salvação. A verdade é que esses vários Pactos constituem um único pacto, que os reformados chamam de Pacto da Graça. Esse Pacto foi afirmado e reafirmado várias vezes, mas sua forma mais concreta se encontra nos dez mandamentos e em Deuteronômio até Josué 24. Assim, com base no texto, podemos dividir:

1. Um preâmbulo histórico das relações anteriores entre as partes (Dt 1-4)

2. O Contratante é anunciado (Dt 4, principalmente o vs 13).

3. Determinações e exigências do contratante (Dt 5-27)

4. Juramento de fidelidade com maldições e bênçãos, penalidades por quebra do contrato (Dt 28)

5. Testemunhas e indicações para realização do Acordo (Dt 29-31.29)

6. Repetição em Josué (Js 24.14-28)

Essa é a Aliança que Deus fez com seu povo, não somente com os que estavam lá, mas com todos os que desejam ser salvos (cf. Dt 29.14-15). No entanto, como podemos observar claramente em todo Antigo Testamento e na própria teologia do apóstolo Paulo, o homem era incapaz de cumprir esse Acordo, pois o acordo foi feito com impossibilidade de cumprimento:

Romanos 3.19-23 Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus, visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado. Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus Crisso, para todos e sobre todos os que crêem; porque não há distinção, pois todos pecaram e carecem da glória de Deus...

Desta feita, o Acordo era para que se o povo guardasse a lei eles seriam salvos. Porém, como é impossível guardar a lei, era, consequentemente, impossível ser salvo. Mesmo os gentios eram chamados a assinar esse Pacto, não necessariamente serem judeus, mas para confirmarem o pacto, porque não é possível ser salvo sem ele. Mas então, como homem veio a ser salvo mediante o Pacto, se esse apenas servia para condená-lo? Jesus é a resposta. É nesse instante que a morte de Crisso faz sentido e não só sua morte, mas toda a sua vida de cumprimento à Lei. Jesus cumpriu o Pacto e obteve a salvação para os que no Pacto estão. Por isso, o evangelho (boas novas) não é sobre o que o homem fez, sobre o que você pode fazer, nem é uma regra de conduta, mas é sobre o que Jesus fez. A Aliança só mostrava o quanto o homem é incapaz de obedecer a Deus e, por isso, a salvação é pela Graça. Porque, mediante a ação expiatória e de obediência de Crisso, são salvos todos aqueles que foram condenados pelo Pacto. O Pacto que servia para matar agora serviu para dar vida por meio do cumprimento de Cristo, e os eleitos se apropriam disso através da Graça, pois é por meio da ação de outro que alguém é salvo. Assim, a salvação é um presente imerecido.

Com isso, o pecado é a “quebra” do Pacto com Cristo.

As aspas são propositais porque mostram que essa quebra é parcial. O que Jesus fez está feito e não há ninguém que possa mudar isso. Dessa maneira, o pecado se configura na rejeição momentânea ou total daquilo que foi feito na cruz. Momentânea porque mesmo o fiel cristão peca, por conta da sua ainda caída natureza. E total no caso de todos os infiéis que deliberadamente pecam contra a santidade de Deus e todos os dias negam o sacrifício do Salvador.



[1] PLANTINGA, Cornelius, Jr. Não era para ser assim: Um resumo da dinâmica e natureza do pecado. Trad: Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 1998. Pág. 26.

[2] Ibid.