quinta-feira, 3 de setembro de 2009


AMB: acordo Brasil Vaticano é inconstitucional
Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, a aprovação do estatuto da Igreja Católica no Brasil é inconstitucional e fere a liberdade de religião no país. “Quando você faz um acordo dando benefício a um segmento religioso em detrimento dos outros, você começa a desobedecer, a descumprir o texto constitucional.” A Câmara aprovou, [na] quarta-feira, 26, o estatuto da Igreja Católica no Brasil.
O texto legisla, dentre outras coisas, sobre o ensino católico facultativo nas escolas públicas do país, e sobre a promoção de bens e propriedades da Igreja considerados “patrimônio artístico ou cultural” pelo Brasil. O tema suscitou questionamentos sobre o desrespeito ao caráter laico do Estado brasileiro.No mesmo dia, os deputados regulamentaram o direito à liberdade religiosa, conforme previsto em projeto do deputado George Hilton (PP-MG) – uma tentativa de repassar às demais religiões às garantias e direitos do Estatuto do Vaticano.Caso o tema seja aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente Lula, a entidade poderá recorrer na Justiça. “Vamos estudar se caberia, para o cumprimento da Constituição, um questionamento jurídico através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal”, diz o presidente da AMB.Confira a entrevista:


Como o senhor recebeu a aprovação do acordo entre Brasil e Vaticano? A nossa manifestação contrária foi extraída da reunião de nosso órgão de direitos humanos com todas as entidades afiliadas à AMB. Nós não admitimos e não aceitamos que essa discussão seja transformada numa discussão religiosa ou ideológica. Não é isso. Eu inclusive sou católico praticante. A questão é a Constituição Federal. Nós não temos uma religião oficial. O constituinte não elegeu uma religião oficial para o Brasil...

Sim...Ora, no momento que você faz um acordo introduzindo a religião católica em escolas públicas, quando você faz um acordo dando benefício a um segmento religioso em detrimento dos outros, você começa a desobedecer, a descumprir o texto constitucional.


Na questão do ensino religioso, o acordo especifica que ele é facultativo. Isso não foge a essa questão constitucional?O ensino não é obrigatório, mas se o Estado brasileiro colocou sua assinatura em um acordo com um segmento religioso é óbvio que isso é um privilégio, é óbvio que para introduzir isso em escolas públicas vai ficar muito mais fácil e as outras religiões não terão esse espaço em virtude de um não acordo, de um não reconhecimento desses pelo Estado. É a questão legal. Nada de preconceito e discriminação. É com base nisso, no Estado laico, no Estado em que há liberdade religiosa e não há religião oficial, que a AMB se manifesta.


A Câmara também regulamentou o direito à liberdade religiosa, para contrabalancear o peso do Estatuto do Vaticano. Pode funcionar de alguma maneira, do ponto de vista constitucional?Mas é desnecessário, porque a Constituição já diz que não pode haver qualquer discriminação e que a liberdade de expressão religiosa é ampla no país. Com o maior respeito a quem apresentou o projeto, mas ele está repetindo o que a Constituição já prega.


Um dos artigos do Estatuto diz que as partes irão promover bens e propriedades da Igreja que possam ser considerados “patrimônio cultural e artístico”. Essa não pode ser uma brecha para a injeção de dinheiro público em reformas de igrejas?É outro dispositivo que mostra uma clara tendência do acordo em privilegiar um segmento religioso no país. E isso, mais uma vez, fere o dispositivo constitucional.


Se fala em laicidade do Estado, mas a isenção tributária às igrejas já existia antes acordo. Isso não é uma forma de privilégio?Deveria ser abolido. Ou você trata os segmentos igualitariamente, ou você não pode dispensar um tratamento diferenciado não só à Igreja Católica, mas também a qualquer igreja.


O que pode ser feito do ponto de vista constitucional para reverter isso, caso a matéria seja aprovada em definitivo?Aí vamos estudar e discutir com nossos órgãos deliberativos se caberia, para o cumprimento da Constituição, um questionamento jurídico através de uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal Leia também: “Análise do tratado Brasil-Vaticano” Leia também Acordo entre Brasil e Vaticano passa na Câmara

miguel silva