quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O Pecado e Culpa Original‏

Rev. Herman Hoeksema


Essa doutrina da universalidade do pecado por meio de Adão levanta outras questões muito sérias. Pode parecer como se os descendentes do homem Adão fossem as vítimas inocentes de sua transgressão. Ele pecou, e todos eles sofrem e vêm ao mundo com uma natureza corrompida e sem os preciosos dons de conhecimento, justiça e santidade com os quais a natureza humana foi originalmente dotada. Não é isso uma injustiça? Devem os filhos sofrer pelos pecados de seus pais? Não se deve ter piedade dos homens por seu estado deplorável, ao invés de serem condenados por causa de sua impiedade?

Ainda mais, como pode o homem ser considerado responsável por seus pecados e transgressões atuais, se ele nasce com uma natureza que é incapaz de guardar a lei de Deus e que é inclinada a toda impiedade? Eu nasço com uma natureza corrompida, morto em delitos e pecados, e isso certamente não posso reverter. Eu nunca tive uma oportunidade de fazer o bem. Por conseguinte, concluo que não sou responsável pelos meus crimes; não posso ser considerado responsável pela forma como nasci. Eu sou uma vítima de circunstâncias pelas quais mereço receber piedade, ao invés de ser um objeto de ira e condenação. Deus não pode demandar de mim o que não posso e nunca serei capaz de realizar.

Em resposta, devemos lembrar que Deus criou a raça humana não somente como um organismo, com Adão como a raiz e o primeiro pai, mas também como uma corporação legal com Adão como o cabeça representativo. Mesmo de um ponto de vista legal, a raça humana não é um mero agregado de indivíduos no qual cada um permanece de pé e cai como seu próprio mestre, sem ser de forma alguma responsável pelo todo. Pelo contrário, existe responsabilidade comunal, e existe culpa e sofrimento comunal na vida humana. Isso é evidente na vida toda: o individualismo é condenado em todo lugar.

Isso é claramente ilustrado na vida de uma nação em relação ao seu governo. No instante concreto em que os Estados Unidos vai à guerra contra uma nação estrangeira, certamente não é todo cidadão americano que declara guerra contra essa nação. Sem dúvida, por esse ato de declaração oficial de guerra, o governo é responsável diante de Deus. Ao governo é confiada a espada. Ele é o único poder ordenado por Deus que tem a autoridade de manusear a espada, bem como de declarar e travar uma guerra. O soldado que é chamado pelo governo e vai para a batalha não comete assassinato e não é culpado do sangue derramado se mata o inimigo no campo de batalha. Ele meramente manuseia a espada do governo e faz assim em nome do governo. Contudo, isso significa que não existe responsabilidade e sofrimento comunal? Que cidadão em são juízo diria que quando o governo declara guerra, o próprio governo teria lutado melhor suas próprias batalhas? Quando o governo declara guerra, todos os seus cidadãos estão num estado de guerra, e terão que sofrer todas as conseqüências implicadas. Mesmo diante de Deus, uma nação não é um agregado de indivíduos, mas um corpo legal; o governo representa todos os seus cidadãos. Se o governo, para suprir as despesas de uma guerra, acumula um débito de muitos bilhões de dólares, todos os seus cidadãos são responsáveis pelo pagamento do débito; mesmo seus filhos e os filhos dos seus filhos terão que suportar o peso dessa responsabilidade.

Assim acontece em todo departamento da vida. É verdade que existe responsabilidade individual e pecado e culpa individual. É também verdade que nesse sentido os filhos não podem ser considerados responsáveis pelos pecados dos pais. É também verdade, contudo, que existe uma responsabilidade e culpa comunal que percorre as gerações. Deus visita "a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que [o] aborrecem" (Ex. 20:5). Deus criou toda a raça humana em Adão como uma corporação legal representada por nosso primeiro pai. Portanto, ninguém pode dizer que não é responsável pela transgressão de Adão, pois todos pecaram nele e seu pecado é imputado a todos eles.

Essa é a solução apresentada pela Escritura aos problemas do pecado e da morte e de sua universalidade e relações entre si. Todos os homens nascem no pecado porque toda a natureza humana foi corrompida pelo pecado do homem Adão. Através de um homem o pecado entrou no mundo e a morte pelo pecado (Rm. 5:12); assim, todos os homens nascem mortos no sentido pleno. Eles nascem com o poder da morte física tragando-os para a sepultura e com a corrupção da morte espiritual em seus corações, de forma que estão mortos em delitos e pecados quando entram no mundo (Ef. 2:1). A morte é punição: é a execução da sentença justa do juiz supremo do céu e da terra sobre todos.

Se a morte é punição, e se essa punição é infligida sobre toda a raça humana, sobre cada indivíduo antes dele ser capaz de cometer qualquer pecado real, então a razão deve ser que aos olhos de Deus toda a raça humana é culpada com uma culpa comunal, no homem Adão. É assim que as Escrituras nos instruí em Romanos 5:12-14, onde o texto está tratando com o problema da morte universal:

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Porque até ao regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei. Entretanto, reinou a morte desde Adão até Moisés, mesmo sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de Adão, o qual prefigurava aquele que havia de vir.

É verdade que o texto também fala da universalidade do pecado por meio do pecado de um homem. Mas isso é assim somente em conexão com o problema sério da universalidade da morte: a morte passou a todos.

A morte reina suprema. Ela reinava antes que houvesse qualquer lei. Ela reinou de Adão a Moisés, e reinou mesmo sobre aqueles que "não pecaram à semelhança da transgressão de Adão" (v. 14). Eles nunca tiveram um mandamento especial para guardar ou violar. Nunca tiveram o poder, como Adão, de determinar se guardariam ou não a lei de Deus. Todavia, a morte reinou sobre eles. Reinou mesmo sobre os pequeninos no berço que não podiam discernir entre a sua mão direita e esquerda.

Como esse reinado universal da morte é explicado? É explicado nas palavras "porque todos pecaram" (v. 12). Quando, onde e como todos pecaram: Todos os homens pecaram no princípio, no primeiro paraíso, e por meio do primeiro Adão, que era o representante da raça diante de Deus: "por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação" (v. 18)

Fonte: Reformed Dogmatics, Herman Hoeksema, Reformed Free Publishing Association, vol. 1, pp. 392-395.

domingo, 16 de janeiro de 2011

O Corpo e Seus Membros




O corpo não é feito de um só membro, mas de muitos. Se o pé disser: “Porque não sou mão, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. E se o ouvido disser: “Porque não sou olho, não pertenço ao corpo”, nem por isso deixa de fazer parte do corpo. Se todo o corpo fosse olho, onde estaria a audição? Se todo o corpo fosse ouvido, onde estaria o olfato? De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo. (1 Coríntios 12.14-20)


O plano de Deus é que deveria existir uma dependência mútua entre os crentes; contudo a Bíblia ensina isso primariamente em relação ao ministério público, e não à fé do indivíduo. Diz-se frequentemente, de uma forma ou de outra, que um cristão que está desvinculado de uma comunidade está fadado ao fracasso, mas esse ensino é mais autobiográfico do que bíblico, e é manipulador ao invés de encorajador. Ele é difundido por pessoas fracas ou por líderes que preferem ameaçar pessoas em vez de aprimorar seus próprios ministérios. Ao enfatizarem fé e adoração coletivas, ainda que sua intenção seja supostamente de fortalecer a igreja e seus membros, na verdade seu erro tem sido um fator importante para se perpetuar nos crentes a falta de vigor e compromisso.


O problema é que a sua doutrina equivale a uma negação da plenitude e suficiência de Cristo. Jesus Cristo é suficiente para sustentar e nutrir cada crente em particular totalmente à parte de qualquer outro crente. Há somente um Pai e um mediador entre Deus e o homem, Jesus Cristo. A igreja não é nossa mãe e nosso sacerdote. Antes, cada cristão é um sacerdote divinamente ordenado para a sua posição com plenos direitos de aproximar-se do trono dos céus e receber e administrar tudo o que Deus tem a oferecer por meio de Jesus Cristo. O cristão pode receber tudo de Cristo por meio da fé e pelo contato direto com Deus, sem a assistência da igreja e muito menos a sua permissão. Qualquer doutrina diferente disso é um ataque à suficiência e mediação de Cristo e deve ser considerada heresia.


O foco aqui é o princípio, e não que uma fé isolada é sempre preferível ou que a pessoa deveria deliberadamente buscar esse tipo de fé. E quando a preocupação tem a ver com o princípio, devemos insistir que a doutrina popular que faz da comunidade uma questão de necessidade é uma doutrina que não vem da revelação de Deus, mas da incredulidade e de suposições pessimistas sobre o potencial de um indivíduo perante Cristo. Quando se assume que comunidade é algo necessário para o florescimento ou mesmo para a sobrevivência da fé do indivíduo, encorajar a fé coletiva se torna a mesma coisa que encorajar a fraqueza pessoal. Isso é também um desserviço à comunidade, porque em vez de se reunir por amor, um bando de covardes se reúne agora por necessidade de se deixar arrastar pelos outros.


Jeremias era extremamente solitário, e Paulo teve às vezes de encarar as maiores provações sozinho, mas Jesus Cristo estava com eles e era suficiente para eles. Você diz: “Mas eu não sou Jeremias ou Paulo”. Certo, e enquanto continuar pensando dessa forma você nunca será qualquer coisa parecida com eles. Você não é Jeremias ou Paulo, mas confia no mesmo Jesus Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e sempre, e assim não existe nenhuma diferença. Logo, jamais devemos sacrificar a suficiência de Cristo para preservar a importância da comunhão na igreja. E se você não pode passar o dia sem depender de outro homem para sustentá-lo, ao


menos não infecte os outros com a sua incredulidade e fraqueza. Assim também, pregadores que negam a suficiência de Cristo para o indivíduo a fim de preservar a importância da comunidade deveriam ser repelidos. A igreja é de fato plano de Deus, mas não para o propósito de sobrevivência espiritual do indivíduo. Jesus Cristo é suficiente ― mais que suficiente ― para cada pessoa à parte da comunidade. Isso é inegociável.


Quando se trata do contexto público, como em uma reunião de igreja ou tarefas cotidianas da comunidade, o plano de Deus é de fato a dependência mútua, e nenhuma pessoa pode representar todo o corpo ou realizar todas as suas funções. Antes, cada pessoa é posta em seu próprio lugar de acordo com a vontade de Deus. Como escreve Paulo, “De fato, Deus dispôs cada um dos membros no corpo, segundo a sua vontade”. Não se espera que façamos todos as mesmas coisas ou foquemos igualmente as mesmas coisas. Eventualmente um evangelista poderia enfatizar tanto a primazia do evangelismo que leva todas as outras pessoas se sentirem culpadas por não fazerem tanto quanto ele. Mas ele não está alimentando nenhum órfão. Então aquele que não faz nada mais que alimentar órfãos aparece e faz o evangelista parecer um hipócrita de coração frio. Deus nos colocou em nossas próprias posições, e não devemos definir o corpo como um todo por nenhuma função pela qual estamos obcecados: “Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Assim, há muitos membros, mas um só corpo”.


É aqui que a distinção entre a fé do indivíduo e o ministério público se torna essencial. Como indivíduo, posso realizar em uma pequena escala quase qualquer função no corpo de Cristo, ainda que esse não seja o meu ministério principal. Isto é, posso não ter sido chamado a liderar um projeto nacional para alimentar os famintos, mas eu seria negligente se um pedinte morresse de fome na soleira de minha porta. No entanto, só porque devo alimentar o pedinte na soleira de minha porta, isso não significa que eu deveria liderar um esforço nacional de combate à fome. Em vez disso, talvez Deus tenha me chamado para combater essa confusão ridícula sobre fé pessoal e fé coletiva. Em outras palavras, cada pessoa deveria ser uma crente completa, mas nenhuma pessoa precisa ser uma igreja inteira.


Você pode não pensar em seu dedo mindinho a todo o momento, mas se alguma vez você já o torceu, subitamente percebeu que depende dele o tempo todo. Agora ele dói quando você se levanta, quando se vira, quando caminha. O que acontece se um papel fino corta o seu dedo? Ele dói quando você faz quase qualquer coisa ― dói quando você escreve, quando você dirige, quando você cozinha, quando você lança uma bola ― de modo que “quando um membro sofre, todos os outros sofrem com ele” (v. 26). Da mesma forma, a pessoa que lida com processos burocráticos na igreja, ou talvez faz a contabilidade, recebe pouca atenção; mas imagine o caos se ela for subitamente removida, ou se ela é incompetente ou desonesta.


Para enfatizar uma vez mais o ponto anterior, se você prega na igreja e alguém outro limpa o chão, isso não significa que essa pessoa também limpa o seu chão quando você vai para casa. E se você limpa o seu próprio chão em casa, isso não significa que você deve limpá-lo na igreja, a menos que esse seja o seu emprego. Novamente, Cristo é suficiente para todo crente, para que todo crente pudesse ser completo, mas cada crente não desempenha todas as funções na igreja, de forma que há uma dependência mútua na igreja. Uma teologia da igreja que em


qualquer grau compromete a suficiência total de Cristo ou o potencial e a responsabilidade do indivíduo é uma doutrina falsa.


Ora, uma pessoa pode crescer em proficiência, e um dom pode crescer em poder através da oração, do estudo e do uso regular, mas a capacidade parecerá nativa para ela, e não artificial ou forçada. Uma pessoa que não pode desempenhar, digamos, deveres administrativos pode muito bem receber a capacidade após a conversão, mas isso se tornará natural para ela dali em diante. Um olho é um olho porque Deus o fez um olho. Assim também, para um olho ser um olho, basta apenas ele ser ele mesmo. Ele não tem de ser algo que ele não é nem deveria ser invejoso ou fingir ser outro membro no corpo. É assim que ele funcionará de acordo com o seu verdadeiro propósito e potencial.


Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto (janeiro/2011).

Fonte: http://www.vincentcheung.com/

[MIGT.JPG]

POSTADO POR : miguel silva