sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Deus e o Mal, de Gordon Clark





Com frequência os cristãos insistem não possuir todas as respostas. Contudo, quando o dizem, eles quase sempre se referem a algo explicado com clareza na Bíblia. Mas se a Bíblia aborda um tópico, não temos o direito de falar como se ela não o fizesse. Embora seja verdade que ela não nos concede onisciência, a Bíblia contém mais respostas do que os cristãos costumam reconhecer.
Um exemplo primário é o chamado problema do mal. Embora várias tentativas tenham sido realizadas para diminuir a força do dilema, parece consenso geral entre os cristãos que essas tentativas não são inteiramente satisfatórias, e que o mal é de fato um mistério, algo que não se pode entender ou explicar. Mesmo os herdeiros da Reforma, que se vangloriam da teologia mais bíblica e lógica, retrocedem choramingando paradoxos e contradições. Um teólogo proeminente chamou o pecado de “buraco negro” e abandonou a tentativa de explicá-lo.

Este recuo generalizado é inaceitável porque o problema do mal se apresenta como o golpe fatal contra o cristianismo. Ele sugere que a natureza divina e a existência do mal sejam logicamente incompatíveis. A ameaça não pode ser subestimada, e o apelo ao mistério é equivalente à rendição. E após um ou dois, ou centenas de apelos ao mistério, como compelir os não cristãos a admitir que a fé cristã é eminente e obviamente racional?

Mesmo que ignoremos a percepção pública – isto é, mesmo que permitamos Deus ser blasfemado – a verdade é que ninguém pode verdadeiramente afirmar duas proposições incompatíveis de acordo com a lógica. A alegação de contradição apenas aparente é irrelevante, pois tão logo se perceba a contradição, não se pode afirmar as duas proposições. A natureza da contradição é tal que afirmar um de seus lados equivale a negar o outro, de forma que afirmá-los é também negá-los na ordem inversa, e que negar os dois significa afirmá-los na ordem inversa de novo. Assim, afirmar os dois lados da contradição é afirmar nada, ou pior que nada. É um exercício sem sentido.

Se a natureza divina e a existência do mal são de fato mutuamente excludentes, então os cristãos devem abandonar a crença em Deus ou consignar o mal à mera ilusão. Qualquer dessas opções significa a rejeição da fé cristã. Se afirmar Deus é negar o mal, e se afirmar o mal é negar Deus, então afirmar Deus e o mal é negar o mal e Deus, o que significa afirmar Deus e o mal, assim por diante ad infinitum. Portanto, quem alega afirmar Deus e o mal, mas afirma perceber a contradição entre os dois, é mentiroso, pois na verdade ele afirma apenas um dos dois, ou é um tolo, e não entende o que diz.

Além disso, o apelo ao mistério é inaceitável porque a Bíblia explicitamente nos informa sobre a origem e o propósito do mal. Dessa forma, o apelo ao mistério sugere ignorância ou rejeição da explicação bíblica. Neste caso, o clichê “Não temos todas as respostas” está longe da admissão humilde da limitação humana; trata-se na verdade da recusa de ouvir a Deus. Pelo fato de a Bíblia oferecer a resposta intelectual, ética e psicologicamente satisfatória, a humildade exigiria seu aprendizado e aceitação por parte dos cristãos.

Portanto, a única abordagem correta é mostrar que o chamado problema do mal apresenta um falso dilema, e que não existe nenhum mistério aqui, nenhum paradoxo, nenhuma antinomia, nenhuma contradição entre os dois, e que é possível afirmar a existência de ambos de forma coerente.

Mais uma vez, o dilema é a alegação de que a natureza divina e a existência do mal são incompatíveis. Como argumento ele recebe várias formas, mas a ênfase principal permanece idêntica. Por exemplo: “Se Deus é amor, como pode existir o mal?”. Ou, “Se Deus é amor, então ele desejaria eliminar o pecado, mas ele não eliminou o pecado”. O mal natural também é incluído nessa linha de pensamento: “Se Deus é amor, como ele pode causar ou permitir o desastre que matou cinco mil pessoas?”.

Tenha em mente que o argumento supostamente revela uma contradição na cosmovisão bíblica. Isso significa que as definições para todos os termos-chave, incluindo amor e mal, devem vir da própria Bíblia. O argumento não alcançaria seu objetivo caso mostrasse que o conceito cristão de amor é incompatível com a ideia não cristã de mal, ou vice-versa. Isso apenas significaria a discordância entre cristãos e não cristãos – algo redundante no debate em que os não cristãos apresentam argumentos para desafiar a fé cristã. Antes, para demonstrar a incoerência de uma cosmovisão, todos os termos-chave devem ser tomados de dentro dessa cosmovisão.

Dito isso, a Bíblia nunca sugere que Deus, por seu amor, deva eliminar todo o mal, muito menos fazê-lo de imediato. Na verdade, ele preservará o mal para sempre no inferno, e nos demônios e pecadores que devem suportar o sofrimento sem fim ali. Haveria um dilema se a Bíblia afirmasse que Deus deveria eliminar todo o mal, e que ele não o elimina ou não o eliminará. Entretanto, inexiste dilema caso a própria Bíblia ensine que Deus não eliminará o mal, e que ele o preservará, e então o chama de Deus amoroso. Evidentemente, a Bíblia define o amor divino de uma forma que pode acomodar isso. É inútil queixar-se de que o conceito antibíblico de amor divino não o permita. A declaração bíblica obviamente contradiz o que é antibíblico, mas isso não mostra nenhuma inconsistência no sistema bíblico.

Não importa a forma assumida pelo desafio, ele pode ser refutado da mesma maneira. Ele nunca chega ao ponto de mostrar alguma contradição interna da visão bíblica e, portanto, não possui relevância. Ele continua repetindo que um termo antibíblico é incompatível com um termo bíblico, e algumas vezes ambos os termos são antibíblicos; isso de alguma forma deve causar problemas para a fé cristã. Ora, isso sim é um mistério!

Como argumento contra a fé cristã, o chamado problema do mal nunca pode ser proposto de forma inteligível. Assim, inexiste objeção a que os cristãos devam responder. Poderíamos continuar demandando que os não cristãos consertem o argumento e jamais seríamos forçados a contribuir. Todavia, nossa resposta não é totalmente negativa. É de fato possível discutir a existência do mal, de acordo com a revelação bíblica, mas apenas como tópico da teologia cristã; jamais como um problema para a teologia cristã. A Bíblia ensina que Deus é soberano sobre a totalidade do pecado e do mal, e por seu amor para conosco, seus eleitos, ele ordenou sua existência para demonstrar sua paciência e ira, e apresentar sua glória e justiça.

O argumento a partir da existência do mal não é embaraço para a fé cristã; antes, é a plataforma de ataque do cristão contra quem ousa usá-lo. Os pecadores se consideram informados e inteligentes, mas Paulo escreve que, embora se considerem espertos, são tolos. O uso desse argumento é um elemento de prova de que os não cristãos são irracionais, desinformados e preconceituosos. Esse problema do mal circula entre os homens, não pela inconsistência da fé cristã, mas pelas tolices concebidas pelos não cristãos. Da próxima vez que o não cristão o confrontar com esse argumento, não tema. Antes, regojize-se, pois o Senhor lhe deu a vitória. Ele entregou o adversário em suas mãos.

O tratamento dado por Gordon Clark sobre o assunto é uma joia rara. Enquanto outros recuam e transigem, concedendo ponto após ponto, ele encara o desafio com conhecimento e precisão, mantendo a natureza divina constante e explicando todas as outras coisas por ela. Essa é a única abordagem correta, e resulta em uma resposta que não pode ser refutada. No processo, ele interage com vários teólogos e filósofos, chega a definições apropriadas para termos cruciais e responde às objeções. A exposição, de forma geral, é tão excelente que quase torna as outras tentativas supérfluas.

Vincent Cheung
Boston, Massachusetts
Outubro de 2010 Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Revisão: Rogério Portella Publicado em 14 de outubro de 2010 – 13:21


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