sexta-feira, 16 de abril de 2010


Sermão: Eudaimonía, a busca por uma felicidade sem Hedonismo

Lucas 6:17-23  E, descendo com eles, parou numa planura onde se encontravam muitos discípulos seus e grande multidão do povo, de toda a Judéia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e de Sidom, que vieram para o ouvirem e serem curados de suas enfermidades; também os atormentados por espíritos imundos eram curados. E todos da multidão procuravam tocá-lo, porque dele saía poder; e curava todos. Então, olhando ele para os seus discípulos, disse-lhes: Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o reino de Deus. Bem-aventurados vós, os que agora tendes fome, porque sereis fartos. Bem-aventurados vós, os que agora chorais, porque haveis de rir. Bem-aventurados sois quando os homens vos odiarem e quando vos expulsarem da sua companhia, vos injuriarem e rejeitarem o vosso nome como indigno, por causa do Filho do Homem. Regozijai-vos naquele dia e exultai, porque grande é o vosso galardão no céu; pois dessa forma procederam seus pais com os profetas.
O homem por ser uma criatura egoísta, sempre buscou diante de vários fatores a sua felicidade. Fazendo uma pequena análise na história encontramos uma busca incansável por prazeres, riquezas, honras, onde o homem procura encontrar a sua felicidade. Desta feita a concepção hedonista, a busca pelo prazer, é que prevalece na reflexão e práxis da humanidade. Aristóteles bem observou isto, e na suaÉtica a Nicómaco faz uma serie de asseverações sobre a busca pela felicidade, em grego Eudaimonía(eujdaimoniva  eu = Bom + daivmwn = Espírito). 
O filósofo entende que os prazeres por serem passageiros, e pelos animais também o buscarem, não conduzem a verdadeira felicidade; as riquezas, que por certo podem dar ao homem muitas alegrias, não podem garantir que seu corpo não padeça, ou que alguém de sua família morra, e assim, não podem trazer a felicidade; as honras fazem homem mais humilde orgulhoso e consciente de suas próprias boas obras, porém, por se tratar de uma resposta a ações de outros homens, não garantem a felicidade e na verdade, não servem também. Aristóteles diz que a verdadeira Eudaimonía se encontra onde os deuses também buscam felicidade, isto é, na contemplação, no contato com o sagrado, numa vida racional e moral. Nos evangelhos (Mateus e Lucas) encontramos o termo makários (maka,rioj) para designar aquele que alcançou o estado de felicidade. Jesus em seu sermão deseja mostrar quem é aquele que alcançou a felicidade, aquele que é bem aventurado.
O evangelho de Lucas foi provavelmente o terceiro dos sinópticos a ser escrito. O autor afirma que se utilizou das melhores fontes disponíveis na época para contar a história daquilo que havia ocorrido entre os discípulos. Primeiramente com a presença do Mestre Jesus, e depois no segundo volume, hoje chamado de Atos dos Apóstolos, os eventos que se seguiram depois da ascensão de Cristo. O evangelho com um vocabulário rico do grego evidenciando o alto padrão culto do autor é também o evangelho mais detalhista principalmente em questões geográficas ou históricas. A autoria lucana foi defendida por grande parte dos pais da igreja, tais como Irineu, Clemente, Tertuliano, Eusébio e Jerônimo. Mas as provas internas já seriam suficientes, onde observamos ser o “médico amado” o autor do evangelho. Escrito por volta de 62 d.C. em Roma, onde na companhia de Paulo pregava o Evangelho de Cristo, tinha por intenção explicar a Teófilo, que pertencia a alta sociedade romana, o que acontecera no início da igreja de Cristo. Apesar de fazer parte do grupo dos sinóptico muitas partes são exclusivas do Evangelho de Lucas, tais como os muitos hinos que preambulam o nascimento de Cristo. É também o único a registrar a infância de Cristo, provando o quão acurado fora a pesquisa que se propôs. Pode assim ser esboçado:
I. Prólogo 1.1-4
II. A narrativa da infância 1.5-2.52
III. Preparação para o ministério público 3.1-4.13
IV. O ministério Galileu 4.14-9.50
V. A narrativa de viagem (no caminho para Jerusalém) 9.51-19.28
VI. O ministério de Jerusalém 19.29-21.38
VII. A paixão e glorificação de Jesus 22.1-24.53

E é no ministério Galileu, que encontramos Jesus operando várias maravilhas, no capítulo seis Lucas destaca algumas delas, como a cura do homem da mão ressequida nos versículos do seis ao onze, como também faz a convocação dos 12 apóstolos, homens que em si nada haviam de especiais, mas que a partir daquele momento tornar-se-iam gigantes no mundo. No versículo dezessete Lucas afirma que Jesus descera do monte ou de alguma parte dele, e numa planura inicia o seu sermão, por outro lado o texto correspondente, em Mateus, afirma que Jesus subira no monte e então começara a falar. Tem se dado algumas soluções para esta aparente contradição. As duas mais famosas são:
a)      A planura era uma parte do monte onde Jesus se encontrava, e ali se deteve. Assim, os dois sermões são os mesmos.
b)      São sermões diferentes, Jesus havia falado a respeito destes temas várias vezes e em lugares diferentes, cada autor escolheu um dos lugares para falar.
A segunda opção parece ser mais viável, pelo fato de haver também discrepâncias no próprio conteúdo dos sermões, pois Mateus coloca vários temas que Lucas não evoca, enquanto que Lucas mesmo falando dos mesmos temas também omite alguns termos usados por Mateus. O que está registrado nos evangelhos não é o sermão em si, mas um sumário daquilo que Jesus abordara, pois não precisamos de muito tempo para ler todas as bem-aventuranças registradas no evangelho, era de se esperar que Jesus explicasse cada ponto. E assim, cada evangelista sumarizou aquilo que o Espírito Santo lhe inspirou a escrever. Estes sermões tão famosos mostram aquilo que Jesus enfatizou no seu ministério e ao contrário do que muitos pensam, a felicidade foi o grande ponto destacado, pois a vida cristã é uma vida feliz.
Gostaria assim, de falar a respeito da “Eudaimonía, a busca por uma felicidade sem Hedonismo”.
 O homem natural por mais próximo que chegue da verdade, não consegue contemplar a revelação se ela não lhe for mostrada. Apesar de Aristóteles ter acertado quando não busca a felicidade em coisas terrenas, mas nas divinas. Ele não sabe em que Deus achar a Felicidade. Paulo enquanto falava no Areópago aos Epicuristas, que eram hedonistas e Estóicos, que defendiam uma busca pela felicidade semelhante a Aristóteles, revela quem é o Deus verdadeiro que criou o kosmos, como gostavam de chamar os Estóicos. E é exatamente a revelação do Deus verdadeiro que diferencia a Eudaimonía cristã de qualquer outra. O termo Escriturístico, Makários, tem significado semelhante ao da Eudaimonía. Porém, como proposto por Cristo, Makários é uma benção, é um dom dado por Deus, e assim, só é possível alcançar o Eudemonismo através da benção de Deus. 
O que fica claro no sumário de Lucas a respeito do sermão de Cristo, é que a felicidade não está numa vida segura e tranquila externamente. A felicidade real está na alma. É a respeito do espírito que Jesus está tratando. E assim, são felizes os pobres, os famintos, os chorosos e os odiados, mas não por conta de si mesmos, porém, porque são convidados a olharem para as promessas de Cristo, a olharem para Deus e a sua Justiça. Diante do fato que o homem vive por volta de 100 anos, a eternidade com Deus é algo extremamente atraente e, portanto, os filhos de Deus são convocados a não olharem para os anos terrenos, mas para a atemporalidade do porvir. E baseado no evangelho de Lucas quatro pontos são sumarizados para a reflexão :
1.      Bem Aventurados os Pobres. O texto correspondente em Mateus nos informa que os pobres aqui citados, são os pobres de espírito, não necessariamente pobres materialmente, pois não precisamos afirmar que a pobreza material é uma benção. Apesar de que, como o evangelho de Lucas nos informa, é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus. Lc 18:25. Os pobres de espírito são aqueles que pelas situações da vida foram quebrantados e humilhados e reconhecem o seu estado e não tomam pra si glória alguma. Eles foram quebrados de todo o orgulho e soberba. Tomás de Aquino acreditava ser o orgulho o pior e pai de todos os pecados, porque é quando orgulhoso que homem pensa ser auto-suficiente, e assim, acha ser possível viver a parte de Deus, foi este pecado que caíram o diabo e os nossos primeiros pais, Adão e Eva. Mas, os pobres de espírito são aqueles que podem afirmar junto com o salmista: Eu sou pobre e necessitado, porém o Senhor cuida de mim; tu és o meu amparo e o meu libertador; não te detenhas, ó Deus meu! Sl 40:17. 
   Os felizes são aqueles que negam a si mesmos e tomam a sua cruz, são aqueles que reconhecem em Deus a sua riqueza, pois não tomam pra si nada do que tem, entendem que tudo é dado por Deus e que tudo é da Graça imerecida, fazendo-os assim, pobres de qualquer coisa. A estes está reservado o Reino de Deus. Jesus promete que o Seu Reino é dado àqueles que se humilham e põe sua vida em Deus. O termo Reino de Deus (basileía tou theou/) é um dos temas principais dos evangelhos, em Mateus encontramos o termo Reino dos Céus (basileía ton ouranon) o evangelista publicano provavelmente, como um bom judeu, preferira trocar o termo “Deus” para um outro similar. Mas o que seria então o Reino de Deus? Não há dúvidas de que o Reino é espiritual, pois fala de aspectos internos do homem. Jesus diz em João 3:3: Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. O aspecto espiritual da interpretação das parábolas também evidencia isto, inclusive no fato de muitos não entenderem as parábolas de Cristo, já que este era um método de ensino para facilitar a compreensão, assim, havia um elemento distinto nas parábolas de Jesus, que é exatamente o aspecto espiritual. Desta feita o “Reino não é deste mundo”, por isto a felicidade também não o é. Todos aqueles que procuram a felicidade em seus bens ou em si mesmos são orgulhosos e presunçosos, os verdadeiros pobres de espírito buscam em Deus a sua felicidade e por isto encontram o Reino dos Céus e não o reino da terra.
2.      Bem Aventurados os que têm fome agora. Semelhantemente aos pobres de espírito precisamos consultar o relato correspondente em Mateus para entender a que fome Jesus está tratando. Em Mateus 5:6 está escrito: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos. Surge-nos, então, uma outra dúvida: a que justiça se refere Cristo? Alguns vão tentar argumentar que Jesus está tratando da “justiça social” e assim, prometendo um mundo mais justo para estes famintos. Alguns problemas são evocados com esta interpretação:
a)      Ela retira todo o aspecto espiritual do sermão, defendendo assim um mero aspecto material. E isto parece se opor exatamente com o tema principal do sermão, que é a felicidade acima das coisas materiais.
b)      Esta promessa não se cumpriu com os apóstolos, pois os mesmos viveram numa vida das maiores injustiças sociais, onde várias vezes foram acusados injustamente.
c)      Se todos os que têm fome e sede de justiça social serão fartos, qual a necessidade de olhar para Cristo no meio das aflições? E seriam os pobres uma classe especial que será salva por sua pobreza?
A Justiça comentada por Jesus é tão espiritual quanto a pobreza do versículo anterior. Aqueles que tendo negado o seu “eu” e se humilharam perante o Senhor, clamam por Sua Justiça, por saberem que o Justo Juiz é quem os fará saciar-se. Clamam por misericórdia divina porque entendem que o seu destino é a morte eterna, porque compreendem que a sua alma só será saciada ao beber da água para a vida eterna. Interessante notar o uso do advérbio de tempo nun que significa agora, só encontrado neste versículo e no próximo a respeito dos chorosos, também não está no sermão de Mateus. Mostra-nos a preocupação emergencial do sermão de Jesus, ele está preocupado com o agora, com aqueles que se humilharam agora, pois sua felicidade só é completa no saciar-se em Deus, no estar completo em Deus, pois sabem, como disse Santo Agostinho: “Tu nos fizeste para Ti mesmo, ó Senhor, e o nosso coração é inquieto até que encontre em Ti o repouso”. E assim precisam do encontro com Deus para descanso e felicidade de sua alma.
3.      Bem Aventurados os que choram agora. Esta bem-aventurança para a mente natural será um contra-senso. Como conceber que são “felizes os que agora choram”? Novamente encontramos o advérbio temporal nun, eles não ficarão felizes amanhã ou depois, eles estão felizes agora enquanto choram. Enquanto suas lágrimas são derramas aos pés de Cristo. O termo klaío significa um sentimento profundo de tristeza e choro, em Mateus o termo é mais enfático, pois o primeiro evangelista usa o termo pentheôque é um lamento profundo, semelhante a tristeza da perda de um ente querido. Como o verbo se encontra no particípio presente poderíamos melhor traduzir o verbo no gerúndio do português e assim teríamos: “Felizes são os que estão chorando agora”. Jesus se refere àqueles que sofriam naquele instante, enquanto o ouviam, suas almas gritavam de tristeza. Mas não é qualquer tristeza, os bem-aventurados são os que estão chorando agora por reconhecerem sua situação e seu destino final. São aqueles que estão descontentes com o pecado, e não só o seu pecado, mas sofrem com o pecado e sujeira de todo o mundo. Quando olham ao seu redor lembram o profeta que disse: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos! Is 6:5. Quando penso em choro, lembro da minha avó, pois quando criança, ela por várias vezes cantava músicas pra eu dormir, normalmente, por ser assembleiana, músicas da Harpa Cristã. E sempre começava a chorar, eu prontamente tomava a minha fralda e enxugava os seus olhos, não conseguia, mesmo que sem entender, vê-la chorar. Jesus ao ver seus filhos chorarem toma o seu “manto tinto de sangue” e responde com uma doce palavra de consolo, pois Ele diz “aqueles que estão gritando de tristeza agora, gritarão de alegria.” Ele nos convida a olhar pra cruz, é por isto que os bem-aventurados choram aos pés do mestre, pois é dEle que vem o consolo, é dEle que vem a palavra: Está consumado. É Ele quem purifica e perdoa, e assim, os que clamam por perdão serão perdoados, serão consolados.
4.      Bem Aventurados os odiados. O apostolo Paulo consolando o pastor Timóteo diz: Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos. 2 Tm 3:12. Este consolo é verdade em todos os tempos, Jesus nos informa que são felizes e devem regozijar-se aqueles que são perseguidos. Aqueles que pela loucura da pregação do Evangelho são zombados, odiados, rejeitados e injuriados, a estes está reservada a alegria inefável do Espírito Santo. Mesmo em meio a tormenta, a tortura de todas as formas, eles são felizes. Novamente olham para a cruz e é nela que encontram forças e consolo. Algumas coisas precisam ser esclarecidas sobre este tipo de perseguição, ou melhor, sobre o motivo dela. Foi postado a pouco tempo no Blog “o tempora o mores” um texto que comenta a respeito de toda a loucura que se tem feito “em nome do Evangelho”. Jesus deixa claro que os bem-aventurados são os que são perseguidos por causa dEle, por causa da pregação do Evangelho e não por alguma demonstração quase artística feita por certos grupos ditos evangélicos. A pregação é loucura para o mundo, mas não por causa da forma como ela é pregada, mas pelo seu conteúdo intrínseco. Pelo valor das suas proposições, ela exige uma mudança radical de mente e de comportamento, da qual o homem natural não está disposto, por isto zomba e persegue aqueles que em Cristo fazem isto.
Para conclusão gostaria de enfatizar alguns pontos para aplicação de tudo que foi falado aqui. A felicidade não é uma obra humana, é um dom de Deus. Todas as alegrias momentâneas da vida, e suas tristezas, nada tem a ver com a verdadeira Eudamonía. Jesus nos convida a sermos “eudemoniados” nEle, e somente nEle. Os felizes são os que se humilharam e reconheceram que nada são perante o mestre, são os que têm em sua alma a fome pela justiça de Deus, onde suas almas incansáveis clamam por salvação, e por isto choram, a consciência de pecado lhes é tão forte que quase não podem suportar a dor, e como se não bastasse a dor na alma, a dor física também lhes é imposta, pois sofrendo perseguição, zombaria, rejeição, regozijam-se em Cristo. São constantemente felizes, o Evangelho é um convite a felicidade. Você quer ser feliz?

2 comentários:

  1. sabias palavras ... estava precisando delas ... estava tão triste hj ... e respondendo a pergunta, SIM, eu quero se muito feliz!!!
    Obrigada, seu texto salvou o meu dia!!

    abraço kelly rojas

    ResponderExcluir
  2. Kelly,
    Que Deus te ajude a compreender a felicidade de ser filha dEle, e que você possa a cada dia entregar os teus caminhos para a vontade dEle. Seja feliz não só hoje ou amanhã, a felicidade não é um sentimento é uma forma de vida. Seja sempre feliz.

    ResponderExcluir

Faça comentários produtivos no amor de Cristo com a finalidade de trazer o debate para achar a verdade. Evite palavras de baixo calão, fora do assunto ou meras propagandas de outros blogs ou sites.