sábado, 8 de maio de 2010

O Molinismo (Parte I)


Observando o fato do frenquente uso dos arminianos dos argumentos molinistas de William Lane Craig[1], inicio aqui uma série de textos sobre o molinismo, que não tem intenção de ser exaustiva, mas unicamente elucidativa sobre o tema. Primeiramente, uma pequena biografia de Luiz Molina, para os ainda não familiarizados com o tema:
            Luis de Molina nasceu em Cuenca e morreu em Madrid. Todavia, a sua ação de intelectual e professor esteve durante muitos anos ligada a Portugal, pois fez o noviciado em Coimbra, cidade na qual estudou Filosofia e Teologia, tendo também lecionado Filosofia no Colégio das Artes de Coimbra e Teologia na Universidade de Évora. Molina não foi um mero repetidor ou compilador das opiniões da escola, pois sobressai no panorama cultural ibérico também pela novidade e arrojo das suas teorias, razão por que muitas delas se revestiram de intensa polêmica, chegando a sua primeira obra, uma síntese do seu curso em Évora de 1570-73, no qual comentava a primeira parte da Suma Teológica de S. Tomás, a merecer a proibição de Roma. No entanto as suas duas obras mais notáveis são o De Concordia e o De Iustitua et Iure. A primeira motivou acesa polêmica entre jesuítas e dominicanos, e ficou célebre na história da filosofia pela exposição que faz do tema da ciência média, que é suposto ter sido primeiramente exposto por Pedro da Fonseca nas suas lições em Coimbra. Em todo caso, tendo sido Molina o seu principal expositor público, ficou esta questão associada ao seu nome, com a designação de molinismo.[2]
Mas não é da vida de Luiz Molina que eu vim falar, porém de sua teoria sobre a conciliação entre a soberania de Deus e a liberdade humana, e mais exatamente, a onisciência divina. No livro Filosofia e Cosmovisão Cristã na página 634 do livro, encontramos o início da exposição sobre o molinismo:
            “De acordo com Luiz Molina, teólogo da Contra-Reforma, logicamente antes do decreto divino de criar um mundo, Deus possuía não apenas conhecimento de tudo o que poderia acontecer (conhecimento natural), mas também de tudo o que iria acontecer em qualquer conjunto apropriadamente específico de circunstâncias (conhecimento médio).”[3]
Para o molinismo existem três tipos de conhecimento em Deus: Conhecimento Natural, Conhecimento Médio e Conhecimento livre. O conhecimento natural é o conhecimento de todos os mundos possíveis[4], o conhecimento médio é seu conhecimento de todas as proposições contrafactuais[5] contingencialmente verdadeiras, incluindo as ações autônomas[6] das criaturas. Portanto, Deus tem a capacidade de eliminar os mundos possíveis que não são factíveis por algum motivo, que pode ser lógico (contradições, falácias e etc), e os mundos que diante das proposições contrafactuais não são factíveis para as ações livres dos homens. Por fim, o conhecimento livre é o conhecimento do mundo real.
Numa ordem cronológica, mediante o raciocínio divino, Deus inicialmente conhece a diversidade de mundos possíveis, depois, por meio da análise das proposições contrafactuais, ele elimina os mundos possíveis não factíveis levando em consideração o livre-arbítrio do homem, então Deus decreta todas as coisas, e assim, tudo que foi decretado acontece. Para ficar mais claro usando um exemplo que Moreland e Craig usam, seria assim:
(Imagine que Deus deseja decretar o momento em que o Apóstolo Pedro negou a Jesus)
            Momento 1 – Deus conhece todos os mundos possíveis sobre o Apóstolo Pedro.
            Momento 2 – Deus sabe que Se Pedro estivesse nas circunstâncias C, ele voluntariamente negaria a Cristo três vezes. Portanto, Ele elimina todos os mundos possíveis que se Pedro estivesse nas mesmas circunstâncias, ele faria outra coisa, pois este mundo não é factível.
            Decreto Divino.
            Momento 3 - Deus conhece o mundo real.
“Desta forma, ele sabe, simplesmente baseado em seus estados internos e sem qualquer necessidade da percepção do mundo externo, que Pedro livremente negará a Cristo três vezes.”[7]
E ainda:
“Deus conhece tão bem a essência individual de todas as possíveis criaturas que ele sabe exatamente o que aquela criatura faria sob um determinado conjunto de circunstâncias nas quais Deus a colocasse, ou então que Deus, sendo onisciente, simplesmente discerne todas as verdades existentes e, anteriormente ao decreto divino, não apenas são verdades necessárias, mas verdades contrafactuais e, portanto, Deus possui não apenas conhecimento natural, mas também conhecimento médio.”[8]
Uma das maiores objeções contra o molinismo é a negação de que Deus realmente possui o conhecimento médio. Moreland e Craig defendem a sua existência por meio de um silogismo:
1.      Caso existam contrafactuais verdadeiros sobre a livre escolha das criaturas, então Deus conhece essas verdades.
2.      Existem contrafactuais verdadeiros sobre a livre escolha das criaturas.
3.      Caso Deus conheça contrafactuais verdadeiros sobre a livre escolha das criaturas, então Deus os conhece de forma lógica anterior ao decreto criativo divino ou apenas logicamente depois do decreto criativo divino.
4.      Contrafactuais sobre as escolhas livres das criaturas não podem ser conhecidos de forma lógica somente após o decreto criador divino.
5.      Logo, Deus conhece contrafactuais verdadeiros sobre a livre escolha das criaturas. (MP, 1,2)
6.      Logo, Deus conhece contrafactuais verdadeiros sobre a livre escolha das criaturas de forma lógica, antes do decreto criador divino, ou apenas de modo lógico após o decreto criador divino. (MP, 3,5)
7.      Logo, Deus conhece os contrafactuais verdadeiros sobre livre escolha das criaturas antes do decreto criador divino. (DS, 4,6)
A premissa 1 é a definição básica de onisciência, assim, não precisa ser provada. A premissa 2 é provada pela normalidade do uso dos contrafactuais, e do próprio uso na Bíblia (I Coríntios 2.8[9]). A premissa 3 apresenta duas possibilidades complementares, e portanto, é verdadeira. A premissa 4 é provada no fato de que para haver contrafactuais sobre as escolhas livres das criaturas é preciso que eles sejam verdadeiros logicamente antes do decreto divino.
Tendo provado os três tipos de conhecimento de Deus, o que temos é uma total compatibilidade entre soberania divina e liberdade humana. Preciso explicar, que este texto tem a intenção exclusiva de expor o pensamento molinista, mas não fazer nenhum juízo de valor ou refutação. Tudo isto deverá ser feito na parte II que sairá em breve.
Ronaldo Barboza de Vasconcelos.


[1] William Lane Craig é Phd e Thd, considerado um dos maiores apologétas da atualidade, já fez vários debates com ateus, e seus vídeos podem ser encontrados no Youtube. Para conhecer mais:http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Lane_Craig
[2] Fonte: http://cvc.instituto-camoes.pt/filosofia/ren14.html (Consultado em 02/04/2010).
[3] Craig, William Lane, Moreland, J.P. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2005. Pg. 634.
[4] “Em exploração e explanação a natureza da necessidade, Leibniz recorre a ideia de mundos possíveis; nós não podemos fazer melhor. Assim, nós devemos perguntar inicialmente que tipo de coisa um mundo possível é. A primeira e básica resposta é que ele éum modo como as coisas poderiam ter sido; ele é um modo que o mundo poderia ter sido; ele é uma conjuntura possível de algum tipo. Existem tais coisas como conjuntos de relação; entre elas nós encontramos alguns que obtemos, ou são efetivados, e alguns que não obtemos. Então, por exemplo, Kareem Abdul-Jabbar ter mais de 2 metros de altura é um conjunto de relações, assim como Spiro Agnew ser presidente da Universidade de Yale. Conquanto, cada um destes é um conjunto de relação, o primeiro, mas não o segundo se obtém, ou é efetivado. E embora o segundo não seja efetivado, ele é um conjunto de relação possível; sob este aspecto ele difere de a viagem de Davi foi mais rápida do que a velocidade da luz e Paulo fez um quadrado circular. O primeiro destes dois últimos itens é casualmente ou naturalmente impossível; o segundo é impossível amplamente no sentido lógico. Um mundo possível, então, é um conjunto de relações possíveis – algo que é amplamente possível no sentido lógico. Mas nem todo conjunto de relações possíveis é um mundo possível. Para clamar esta honra, um conjunto de relações deve ser máximo ou completo. Socrates ter um nariz arrebitado é um conjunto de relações possíveis; ele não é completo ou inclusivo o suficiente para ser um mundo possível. Mas o que é esta “completude”? Aqui nós precisamos de um par de definições. Deixe-nos dizer que um conjunto de relações S inclui um conjunto de relações S se ele não é possível (na amplitude do senso lógico) que S obtém e S’ falha em obter – se, isto é, o conjunto dos conjuntos de relações S mas não S’ (um conjunto de relações que obtemos se e somente se S obtém e S’ não) é impossível.” (PLANTINGA, Alvin.The Nature of Necessity. New York: Oxford University Press, 1974. Pág. 44-45.)
[5] “Uma condição contrafactual (ou subjuntiva) é um convite à reflexão sobre o que acontece na ‘situação contrafactual’ selecionada, o que quer dizer, em algum outro ‘mundo possível.’” (LEWIS, David K. On the plurality of Worlds. Blackwell, 20-21.) Desta forma, uma condição contrafactual é exemplo das coisas que podem ou devem acontecer caso um mundo possível fosse atual.  
[6] O conceito de autonomia ou livre arbítrio de Moreland e Craig é difícil de entender. No capítulo 13 do livro Filosofia e Cosmovisão Cristã eles elaboram uma tabela onde contrastam compatibilismo e libertismo, no entanto, aparentemente não se posicionam. Ao que parece, eles defendem que as livre ações humanas determinam o conhecimento de Deus, já que Ele conhece todas as possibilidades, mas somente as livre são efetivadas, assim, seriam adeptos da liberdade libertária, em contraposição da liberdade compatibilista.
[7] Craig, William Lane, Moreland, J.P. Filosofia e Cosmovisão Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2005. Pg. 635.
[8] Ibid.
[9] Sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória;

Um comentário:

  1. Parabêns pelo texto, que conduz as realidades da cosmovisão cristã em uma sociedade pos moderna e com pouca teologia.
    www.vivendoteologia.blogspot.com

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