domingo, 26 de julho de 2009

A Controvérsia de Agostinho e Pelágio



por Rev. Ewerton Barcelos Tokashiki

Aurélio Agostinho (354-430 d.C.), embora tenha nascido num lar cristão, viveu uma vida dissoluta antes da sua conversão. Durante nove anos foi maniqueísta, vindo a se converter à fé cristã em 386 d.C., sendo batizado em 387 d.C. por Ambrósio, em Milão. Em 391 d.C. foi ordenado ao sacerdócio, sendo quatro anos mais tarde consagrado bispo coadjutor de Hipona. Porém, em pouco tempo morreria o bispo Valério, e Agostinho assumiria o seu lugar, como bispo de Hipona. Mas somente em 412 d.C., é que começa a controvérsia que dividiu definitivamente as opiniões dentro da Igreja.
Ele é conhecido como um dos primeiros defensores das doutrinas da graça no período da patrística. A discussão sobre o livre arbítrio e predestinação já se estendia antes de Agostinho, eram assuntos conflitantes no seio da Igreja. Contudo, para o nosso objetivo sem mais delongas, basta dizer que em Agostinho o assunto foi definido quando ele sumarizou e sistematizou as opiniões já existentes, levando a Igreja a tomar uma posição oficial, ainda que temporariamente.

[1] Quando Pelágio se fez notar dentro da Igreja Cristã, Agostinho já era uma figura influente. Pelágio era um monge britânico que apareceu em Roma, por volta do ano 400 d.C., para refutar as doutrinas de Agostinho. Pelágio escreveu um comentário sobre as epístolas paulinas em 409 d.C.. A sua posição teológica pode ser denominada de “monergismo humano”, e esta foi expressa de forma mais desenvolvida pelo seu principal discípulo Celestius. Esse “monergismo humano” de Pelágio é assim chamado porque para ele o poder da vontade humana é decisivo e suficiente na experiência da salvação. Sua célebre frase expressa claramente essa mentalidade, quando ele afirma “se eu devo, eu posso”.
[2] A controvérsia entre Agostinho e Pelágio, se resumia em dois pontos teológicos: a liberdade [capacidade] da vontade humana (livre arbítrio), e na maneira como Deus opera sua graça. Quanto ao livre arbítrio, a discussão era se o ser humano é absolutamente capaz de exercer a sua liberdade, ou não. Agostinho ensinava e defendia a doutrina “do pecado original”, e os seus inevitáveis efeitos mortais sobre a vida de todos os descendentes de Adão. Pelágio, contudo negava tal contaminação, e afirmava a inocência da alma, como também a absoluta capacidade de escolha tanto moral, quanto espiritual.

Parte da discussão teológica envolvia o modo como Deus opera a sua graça. Agostinho, coerentemente com sua primeira afirmação, ou seja, de que todo ser humano é escravo do seu pecado e que o seu livre arbítrio possui uma fonte pecaminosa, morta espiritualmente, afirmava que o homem carece absolutamente da ação graciosa de Deus em todos os seus aspectos para ser salvo, sendo exposta essa posição na doutrina da predestinação. Pelágio, refutando Agostinho, afirmava que o homem possuí tanto o poder volitivo para escolher ser salvo, como para desistir desta salvação. Defendia que o ser humano possui uma capacidade de decidir o seu futuro independente da graça de Deus.
Agostinho falando explicitamente sobre a perseverança em sua obra De Corruptione et Gratia (427) declarou que
no caso dos santos predestinados ao Reino de Deus pela graça divina, a ajuda concedida para que perseverassem não foi aquela dada a Adão, mas uma ajuda especial comportando forçosamente a perseverança de fato, (...) sendo de tal maneira forte e eficaz que os santos não podiam fazer outra coisa senão perseverar de fato.
[3] Paulino, diácono de Milão, acusou Celestius, principal discípulo de Pelágio, de seis erros doutrinários. Esta acusação recebeu a sua forma escrita numa carta contendo as seguintes afirmações
(1) Adão foi criado mortal e teria morrido, quer tivesse pecado, quer não;
(2) o pecado de Adão contaminou só a ele e não a raça humana;
(3) as crianças recém-nascidas estão naquele estado em que estava Adão antes da queda;
(4) a raça humana inteira nem morre por causa da morte de Adão, nem ressuscita pela ressurreição de Cristo;
(5) a lei, tanto quanto o Evangelho, conduz ao reino dos céus;
(6) mesmo antes da vinda do Senhor houvera homens sem pecado.

[4] O próprio Agostinho percebeu incoerências em seu sistema doutrinário registrado em sua obra Livre Arbítrio
[5]. Decidiu escrever um outro livro que expressasse suas idéias de modo mais consistentes e amadurecidas, que ele intitulou Graça e Livre Arbítrio
[6]. Mesmo após essa revisão em sua teologia Agostinho continuou contendo algumas inconsistências em seu próprio sistema. Embora sustentasse a predestinação, em alguns de seus escritos ele não a expressava com coerência, pois esta doutrina estava comprometida com erros doutrinários acerca de seu tendencioso sacramentalismo.
[7] O sacramentalismo afetava radicalmente a doutrina da salvação de Agostinho. Wright concluí que “esse sacramentalismo tornou a salvação dependente, na prática, da boa vontade e da capacidade do indivíduo de obedecer à igreja. Assim, na prática, a igreja e não as Escrituras tornou-se o locus final da autoridade.”
[8] Agostinho chegava a dizer que “as igrejas de Cristo afirmam o princípio implícito de que, sem o batismo e a participação na mesa do Senhor, homem algum pode chegar ao reino de Deus, e à salvação, e à vida eterna.”
[9] A maneira como Agostinho tentou resolver esta incoerência foi afirmando que a prova da eleição baseia-se não somente na regeneração, mas também na perseverança, segundo ele “todo o que é batizado é regenerado, mas é verdadeiramente eleito o que possui a graça da perseverança.”
[10] Mas isso não anulou a sua inconsistência teológica, pois a sua afirmação continuou sendo dúbia. Embora defendesse a predestinação, ele se tornava incoerente fazendo a perseverança depender de sua doutrina sacramentalista.
As idéias de Pelágio foram fortemente refutadas por Agostinho numa série de tratados que se tornaram conhecidos como escritos antipelagianos. O Pelagianismo foi condenado oficialmente pela Igreja antiga nos concílios de Cartago (418 d.C.), de Éfeso (431 d.C.) e finalmente no Concílio de Orange II (529 d.C.). A partir de então a Igreja Ocidental tornou-se oficialmente agostiniana em seu entendimento da doutrina da graça, todavia, essa oficialidade estava um tanto que longe da realidade dos clérigos e igrejas locais.

As decisões dos concílios não puseram fim na controvérsia. O Pelagianismo conseguiu sobreviver mesmo após a sua condenação oficial. Alguns dos discípulos de Agostinho não eram totalmente coerentes ou concordantes com Agostinho. Sendo que o próprio Agostinho possuía incoerências em sua doutrina, surgiu outro sistema doutrinário conhecido como Semipelagianismo que procurava estabelecer um sincretismo entre as doutrinas de Agostinho e Pelágio. O objetivo era de acalmar os ânimos desta controvérsia, e resolver alguns aspectos teológicos acerca da liberdade e responsabilidade humana, que o sistema agostiniano não havia resolvido. O Semipelagianismo tem sido a doutrina oficial da Igreja Católica Romana. Foi este sistema teológico que os Reformadores enfrentaram. E deste sistema Jacobus Arminius derivou a sua teologia que ficou conhecida como Arminianismo.


NOTAS:
[1] - R.K. McGregor Wright, A Soberania Banida, (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 1998) pp. 21-22.
[2] - Williston Walker, História da Igreja Cristã (Rio de Janeiro e São Paulo, JUERP/ASTE, 2 a ed., 1980) vol. 1, p. 240.
[3] - Santo Agostinho, De Corruptione et Gratia citado por Henry Bettenson, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo, ASTE, 2001), p. 107.
[4] - Citado por Williston Walker, História da Igreja Cristã, p. 241.
[5] - Santo Agostinho, O Livre Arbítrio in: Patrística (São Paulo, Ed. Paulus, 1995).
[6] - Santo Agostinho, A Graça in: Patrística (São Paulo, Ed. Paulus, 1998).
[7] - William Cunningham, Historical Theological (London, The Banner of Truth Trust, 1969) vol I, p. 356-358.
[8] - R.K. Mc Gregor Wright, A Soberania Banida , p. 24.
[9] - Williston Walker, História da Igreja Cristã, p. 238. [10] - James Orr, El Progresso del Dogma (Terrassa, Ed. CLIE, 1988) p. 127.
SOLI DEO GLORIA!!!

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