sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Supralapsarianismo

Gordon Haddon Clark


Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

“... por Deus, que criou o universo para que a multicolorida sabedoria de Deus
pudesse ser agora conhecida, por meio da igreja, pelos governadores e
autoridades nos [domínios] celestiais...” (Efésios 3:9,10, tradução do autor).

A visão de que Deus criou o universo para manifestar sua multiforme sabedoria
é, como Hodge diz, a visão supralapsariana. Contra essa interpretação, Hodge
levanta quatro objeções: (1) A passagem é a única passagem na Escritura
fornecida como diretamente afirmando o supralapsarianismo, e o
supralapsarianismo é estranho ao Novo Testamento. (2) Aparte das objeções
doutrinárias, essa interpretação impõe uma conexão não-natural sobre as
cláusulas. A idéia da criação é inteiramente subordinada e não-essencial: ela
poderia ter sido omitida sem substancialmente afetar o sentido da passagem. (3)
O tema da passagem diz respeito à pregação de Paulo; somente conectando a
cláusula de propósito com a pregação de Paulo é que a unidade do texto pode
ser preservada.

(4) A palavra agora, em contraste com o encobrimento anterior,
apóia a referência à pregação de Paulo. Foi a pregação de Paulo que tinha posto
agora um fim ao mistério oculto. Tais são as quatro objeções de Hodge.
Consideremos a última primeiramente. Admitidamente, foi a pregação de Paulo
que fundou a Igreja, e a fundação da Igreja fez conhecida a sabedoria de Deus
aos poderes no céu. A interpretação supralapsariana não nega que a pregação de
Paulo desempenhou essa parte importante no plano eterno de Deus. Mas
mesmo assim, a pregação de Paulo não foi a causa imediata da revelação da
sabedoria de Deus.

Foi a existência da Igreja que foi a causa imediata. Todavia, a
gramática nos impede de dizer que a Igreja foi fundada para que a sabedoria de
Deus pudesse ser revelada. È verdade que a Igreja foi fundada para revelar a
sabedoria de Deus, mas isso não é o que o versículo diz. Agora, se vários eventos
ocorreram, levando à essa revelação da sabedoria de Deus, incluindo a fundação
da Igreja, a pregação de Paulo, e, certamente, a morte e ressurreição de Cristo
que Paulo pregou, a palavra agora no versículo não pode ser usada para
selecionar a pregação de Paulo em contraste com outros eventos mencionados
na passagem. Portanto, a quarta objeção de Hodge é pobre.
Agora, a primeira objeção diz: Essa é a única passagem na Escritura fornecida
como diretamente afirmando o supralapsarianismo, e o supralapsarianismo é
estranho ao Novo Testamento. A última parte da objeção é, certamente, um
petitio principii, isto é, Hodge usa um argumento circular. Se esse versículo
ensina o supralapsarianismo, então a doutrina não é estranha ao Novo
Testamento.

Devemos primeiramente determinar o que o versículo quer dizer;
então, devemos saber o que está no Novo Testamento e o que não está.
Na verdade, se esse versículo fosse de fato o único versículo na Bíblia com
insinuações supralapsarianas, estaríamos justificados em abrigar alguma


suspeita quanto à interpretação. Hodge não diz explicitamente que esse é o
único versículo; ele diz que ele é o único versículo fornecido como diretamente
afirmando o supralapsarianismo.
Bem, na verdade, nem mesmo esse versículo afirma diretamente toda a
complexa visão supralapsariana. Poucos versículos na Escritura afirmam
diretamente o todo de uma doutrina importante. Portanto, devemos reconhecer
graus de explicitação, de afirmações parciais e até mesmo fragmentárias de uma
doutrina. E com esse reconhecimento, regularmente reconhecido no
desenvolvimento de qualquer doutrina, é evidente que esse versículo não
permanece sozinho em isolação suspeita.
O supralapsarianismo, por toda sua insistência numa certa ordem lógica entre
os decretos divinos, é essencialmente, assim nos parece, a visão inquestionável
de que Deus controla o universo com um propósito. Deus age com um
propósito.

Ele tinha um fim em vista e vê o fim desde o princípio. Todo versículo
na Escritura que, de uma forma ou de outra, se refere à multiforme sabedoria de
Deus, toda declaração indicando que um evento anterior é para o propósito de
causa um evento subseqüente, toda menção de um plano eterno e todoabrangente, contribui para uma visão teleológica, e, portanto, supralapsariana
do controle da história por Deus. Nessa luz, Efésios 3:10 claramente não
permanece sozinho.

A conexão entre o supralapsarianismo e o fato de que Deus sempre age com
propósito depende da observação de que a ordem lógica de qualquer plano é o
reverso exato de sua execução temporal. O primeiro passo em qualquer
planejamento é o fim a ser alcançado; então os meios são decididos com base
nesse fim, até que, por último, a primeira coisa a ser feita é descoberta. A
execução no tempo reverte a ordem de planejamento. Assim, a criação, visto que
é a primeira na história, deve ser logicamente a última nos decretos divinos.
Portanto, toda passagem bíblica que se refere à sabedoria de Deus também
apóia Efésios 3:10.
Consideremos agora a objeção número dois. Hodge reivindica que a
interpretação supralapsariana desse versículo impõe uma conexão não-natural
sobre as cláusulas. A idéia da criação, ele diz, é inteiramente não-essencial e
poderia ter sido omitida sem afetar substancialmente o sentido da passagem.
Não é evidente que Hodge não sabe como tratar a referência à criação? Ele
reivindica que ela não é essencial, uma consideração incidental e impensada que
não afeta o sentido da passagem. Tal estilo de escrita descuidada não me parece
ser o estilo usual de Paulo.

Por exemplo, em Gálatas 1:1, Paulo diz: “Paulo, um apóstolo, não da parte de
homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus
Pai, que o ressuscitou dentre os mortos”. Por que Paulo menciona agora que
Deus ressuscitou Jesus Cristo? Se essa fosse uma consideração incidental, sem
conexão lógica com o sentido da passagem, uma consideração intencionada
somente para falar de algum aspecto da glória de Deus, Paulo poderia ter dito da
mesma forma: “Deus, que criou o universo”.

Mas é bastante claro que Paulo tinha um propósito consciente ao selecionar a
ressurreição ao invés da criação. Ele queria enfatizar, contra seus detratores,
que ele tinha autoridade apostólica recebida do próprio Jesus Cristo. E Jesus
Cristo foi capaz de lhe dar esta autoridade porque ele não estava morto, mas
tinha sido ressuscitado por Deus.
Assim, como Paulo escolhe a idéia de ressurreição ao invés de criação em
Gálatas 1:1, ele também escolhe criação ao invés de ressurreição em Efésios 3:9,
pois a idéia da criação contribui com certo significado para o seu pensamento.
Certamente, a interpretação supralapsariana ou teleológica de Efésios 3:10
acomoda a idéia de criação, e, por outro lado, uma interpretação que não pode
achar nenhum significado nessas palavras é uma interpretação pobre.
A objeção remanescente é que somente fazendo a pregação de Paulo o
antecedente da cláusula de propósito pode preservar a unidade do contexto. O
reverso parece ser o caso. Não somente Hodge falha em reconhecer a menção da
criação, e assim diminuir a unidade, mas, além disso, a ênfase sobre o
propósito, correndo da criação até o presente, unifica a passagem de uma
maneira muito satisfatória.

O entendimento teleológico do operar de Deus de fato nos capacita a combinar
todas essas três interpretações, incluindo a segunda que em si tem pouco a ver
com seu favor, num pensamento unificado. Visto que Deus faz tudo com um
propósito, e visto que o que precede no tempo tem de uma forma geral o
propósito de preparar o que se segue, podemos dizer que Deus guardou o
secreto oculto para revelá-lo agora, e também que Paulo pregou o evangelho
para revelá-lo agora. Mas se Deus não tivesse criado o mundo, não haveria
nenhum Paulo para pregar, nenhuma Igreja pela qual a revelação pudesse ser
feita, nenhum poder celestial sobre o qual imprimir a idéia da sabedoria
multiforme de Deus. Somente conectando a cláusula de propósito com o
antecedente imediato com respeito à criação, um senso de unificação pode ser
obtido a partir da passagem como um todo.

Portanto, em conclusão, embora a outra interpretação seja gramaticamente
possível, a idéia de que Deus criou o mundo para o propósito de revelar sua
sabedoria torna tal sentido melhor.

Fonte: Ephesians, Gordon Clark, Trinity Foundation, páginas 110-114

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Importância da Instrução Através do Catecismo



Anthony A. Hoekema


Numa palestra dada (em 1952) aos membros da Primeira Igreja Reformada em Paterson, Nova Jersey, o Rev. John P. Muilenburg, anteriormente missionário na China, disse, entre outras coisas, “Desde que voltei para América, eu olho para a igreja com temor e tremor porque muitos dentre nosso povo não sabem realmente o que a igreja significa. Em nosso Cristianismo Americano temos uma tola tolerância que diz que não faz diferença no que você crê, contanto que você tente viver uma boa vida. Esta atitude é totalmente errada. Nós devemos saber no que cremos e o que significamos”.


“Os Comunistas não cometem este engano”, continuou a apontar o Sr. Muilenburg. “Eles realmente treinam e educam o seu povo”. Não disse o nosso Senhor certa vez, “Os filhos deste mundo são para a sua própria geração mais sábios do que os filhos da luz” (Lucas 16:8)? Talvez possamos aprender uma lição até mesmo dos Comunistas. A questão freqüentemente me ocorre: o membro normal de nossas igrejas de persuasão Reformada está pronto para defender as doutrinas que cremos e ensinamos? Se não, de quem é a culpa? É, quem sabe, culpa da igreja?

História

Não havia catecismos – no sentido de pedagogia eclesiástica dos jovens do pacto – na igreja medieval. A instrução das crianças era considerada um dever mais doméstico do que eclesiástico. O Protestantismo, contudo, com sua ênfase nas Escrituras como a única regra de fé e prática, enfatizou a doutrinação das crianças como uma das implicações eclesiásticas do batismo infantil. Os Reformados particularmente começaram a pensar em termos do pacto da graça como logicamente correlacionado com a doutrina do batismo infantil. Esta ênfase sobre o pacto da graça naturalmente implicou numa ênfase sobre a instrução através de catecismos das crianças do pacto.

A instrução através de catecismos continuou a florescer à medida que a Reforma Protestante se espalhou para outros países. Na América também, inicialmente, havia muita ênfase sobre o catecismo. A instrução, naqueles dias primitivos, era principalmente uma questão de memorizar respostas e perguntas, e os livros de catecismo consistiam somente de séries de perguntas e respostas.

Desde 1850, tem havido nas igrejas Americanas, em geral, um definido abandono da instrução através de catecismo. Gradualmente a escola Dominical, que pretendia ser originalmente uma instituição missionária, entrou sorrateiramente nas igrejas e tomou o lugar das classes de catecismo. Em muitas igrejas Americanas hoje, as classes de catecismo não existem mais.

Obrigação Pactual

Isto, contudo, não deveria ser assim. A instrução através de catecismo é definitivamente uma parte da obrigação das igrejas para com os seus jovens. Esta obrigação, de fato, como indicado acima, está fixada na própria relação pactual que existe entre Deus e o Seu povo. A questão pode ser levantada: É tarefa da igreja doutrinar as crianças? Esta tarefa não pode ser deixada

para o lar, ou para a escola Cristã (quando há uma)? A resposta a esta questão é que é mais decididamente tarefa da igreja doutrinar seus jovens, visto que os jovens da igreja estão incluídos no pacto que Deus fez com o Seu povo. A doutrina do pacto é um princípio fundamental da teologia Reformada – tanto que Herman Bavinck disse que a teologia Reformada não pode ser entendida em nenhum ponto, à parte da doutrina do pacto.

Mas a doutrina do pacto é muito mais. Ela é também o princípio regulador da vida Reformada, a qual deve ser vivida totalmente à luz do fato de que somos o povo do pacto de Deus – somos Sua possessão peculiar. Deste princípio regulador flui a necessidade do catecismo. A igreja, que administra o batismo como um sinal e um selo da membresia pactual, deve, depois do batismo, assumir a responsabilidade de treinar as crianças do pacto no entendimento de sua relação pactual, e de conduzi-las à aceitação de suas obrigações pactuais. Tendo recebido o primeiro selo da membresia pactual (batismo), a criança deve ser treinada de forma que possa no tempo devido receber o segundo selo da membresia pactual (a Ceia do Senhor), e possa viver uma vida completamente cercada de obediência pactual e de serviço ao reino. A igreja, que administra os selos do pacto, não pode se omitir de sua obrigação de treinar aqueles a quem ela administra estes selos. A tarefa de treinar os jovens do pacto nas doutrinas do pacto é, portanto, de uma importância primária. Deve ser categorizada ao lado da pregação, como uma das principais tarefas da igreja.

A Abordagem Pactual

Permita-me adicionar aqui que a instrução através do catecismo é precisamente a pactual, ao contrário da não-pactual, abordando o treinamento das crianças da igreja. O treinamento não-pactual da criança, exemplificado, por exemplo, pelo Movimento de Evangelização da Criança, ignora a distinção entre as crianças dentro e fora do pacto da graça, e o significado do batismo infantil. Preocupado principalmente com as crianças terem aceitado o Senhor Jesus Cristo como Salvador pessoal, este tipo de abordagem tende a ignorar a segunda parte da Grande Comissão de Cristo: “Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado” (Mateus 28:20). Mas a abordagem através do catecismo, reconhecendo a benção da membresia pactual, aspira ajudar as crianças batizadas a apreciar seus distintos privilégios como um membro do pacto da graça, a entender as implicações desta membresia pactual, e a aceitar as obrigações envolvidas nesta membresia pactual, pelo poder do Espírito Santo. Este é a única abordagem apropriada para qualquer igreja que ensina e pratica o batismo infantil.

Podemos olhar para a importância da instrução através do catecismo a partir de um outro ponto de vista. A criança do pacto deve aprender qual é a principal mensagem da Bíblia (como interpretada à luz dos padrões Reformados), qual é o ensinamento doutrinal de sua igreja, e no que sua igreja difere das demais. Em outras palavras, ela deve saber o que significa ser um Cristão Reformado. Embora a casa e a escola Cristã representem uma parte também no processo de ensiná-la tudo isto, a igreja deve assumir primariamente a responsabilidade por três razões. Primeiro, de acordo com a Bíblia, a igreja é “a coluna e baluarte da verdade” (1Timóteo 3:15). Por conseguinte, o ensinamento da verdade doutrinária é peculiarmente sua tarefa. Em segundo lugar, esta matéria doutrinária pode ser mais bem ensinada pelo pastor, que teve uma educação teológica. Em terceiro lugar, porque o domínio deste tipo de assunto

requer uma definida quantia de memorização e assimilação, as classes oficiais de catecismo da igreja são o melhor lugar para isto ser feito.

Concluo arriscando uma definição de catequese: "Catequese é o treinamento eclesiástico dos filhos da aliança com vistas a prepará-los para a profissão de fé, para serem membros ativos na igreja, e para serem úteis ao reino. À luz dessa definição o propósito da catequese será o de ensinar o filho da aliança naquilo que ele precisa saber para fazer uma profissão de fé consciente, da igreja a que pertence; para ser um bem informado membro dessa igreja; para estar preparado para testemunhar do ensinamento da igreja; e para viver uma vida cristã totalmente de acordo com os princípios ensinados pela sua igreja.

Anthony Hoekma nasceu na Holanda (1913) e mudou-se para os Estados Unidos com a família em 1923. Foi pastor de várias igrejas e professor de Teologia Sistemática no Calvin Theological Seminary. Autor de vários livros entre eles “A Bíblia e o Futuro” e “Salvos Pela Graça” da Editora Cultura Cristã. Artigo extraído da New Horizons, January 2003 com permissão. Extraído de uma palestra dada em 15 de Março de 1952, num encontro patrocinado pelo Comitê de Educação Cristã da OPC. Reimpresso (com uma pequena edição) do The Presbyterian Guardian, 15 de Abril de 1952, pp. 57-58. O autor cita a ASV. Reimpresso do New Horizons, Janeiro