domingo, 15 de agosto de 2010

Calvinismo e Política





Estudiosos de diferentes matizes têm reconhecido a decidida contribuição prestada pelo movimento calvinista ao aperfeiçoamento das instituições políticas do mundo ocidental. As noções reformadas sobre a ordem política foram inicialmente articuladas por João Calvino e posteriormente aprofundadas em alguns pontos e modificadas em outros pelos seus sucessores.

Calvino expôs as suas idéias sobre o estado no último dos oitenta capítulos de sua obra magna, a Instituição da Religião Cristã. Por causa de sua reflexão firmemente apoiada nas Escrituras, o reformador tinha um elevado conceito acerca do estado e dos governantes civis. O apóstolo Paulo havia ensinado que as autoridades são "ministros de Deus" e foram por ele instituídas com vistas ao bem comum, merecendo assim a obediência dos cidadãos (Epístola aos Romanos, cap. 13). Calvino, seguindo a mesma linha de raciocínio, acentuou que a carreira pública era uma das mais nobres funções a que um cristão podia aspirar e deixou claro que os cidadãos tinham o dever de obedecer as leis e honrar os seus magistrados. Os governantes, por sua vez, tinham solenes e graves responsabilidades diante de Deus em relação às pessoas entregues aos seus cuidados.

Ao escrever sobre o assunto, Calvino estava em parte reagindo contra os anabatistas, que desprezavam as instituições políticas e o exercício de cargos públicos como algo indigno de um cristão, e contra os diferentes grupos de anarquistas e revolucionários da época. Como a maior parte dos protestantes do século XVI, ele era favorável a uma estreita associação entre a igreja e o estado, cada qual respeitando a esfera de atuação do outro. A alegação de que Calvino teria sido o ditador de Genebra é injustificada. Na realidade, ele nunca exerceu nenhum cargo político naquela cidade e durante grande parte da sua estadia ali teve um relacionamento difícil com os magistrados civis, sempre desejosos de interferir nos negócios da igreja.

Se o pensamento político de Calvino é essencialmente conservador, dois fatores levaram os calvinistas a adotarem teorias mais democráticas: as perseguições sofridas na França, Inglaterra e Escócia, e o exemplo de Genebra, com o seu governo republicano. O direito de oposição aos tiranos, admitido apenas excepcionalmente por Calvino, foi defendido de modo explícito pelo francês Philippe Duplessis-Mornay, pelo escocês George Buchanan e pelo autor anônimo de Vindiciae Contra Tyrannos, obra popular entre os huguenotes franceses do século XVII. Nas Ilhas Britânicas, o presbiterianismo, com sua ênfase no governo eclesiástico por presbíteros livremente eleitos pela comunidade, atraiu a ira de vários monarcas que não queriam abrir mão do "direito" de nomear os bispos e assim mais facilmente controlar a igreja.

No entanto, a nova cosmovisão religiosa dos reformados e as práticas dela decorrentes foram ainda mais fundamentais para as suas concepções políticas progressistas. A teologia protestante e calvinista valorizou o indivíduo, colocado em uma relação pessoal com Deus e libertado da dependência eclesiástica. Na igreja, ele era convocado a colaborar com seus concidadãos na tarefa de governo e administração, a exercer o seu direito de voto com um forte senso de responsabilidade e a fazer a sua parte quando convocado para o serviço público, sendo ainda educado para exercer o direito de supervisão e até mesmo de crítica dos governantes. Além disso, a valorização do trabalho, as oportunidades de mobilidade social, o direito à livre iniciativa e o pleno acesso à educação, todos esses característicos do protestantismo calvinista, também foram fatores decisivos para o desenvolvimento da democracia no Ocidente.

Os reformados entendem que Deus é o senhor de toda a vida e, portanto, todas as áreas da atividade humana são importantes para o cristão, inclusive a esfera política. Assim sendo, deve-se evitar toda e qualquer dicotomia entre o "sagrado" e o "secular" ou "profano." Essa convicção tem levado muitos calvinistas a se envolveram com a atividade pública, entendida como um importante serviço prestado a Deus e à coletividade. Dois exemplos notáveis são Woodrow Wilson, presidente da Universidade de Princeton, presidente dos Estados Unidos (1913-1921) e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, e Abraham Kuyper, teólogo e líder político holandês, fundador da Universidade Livre de Amsterdã e primeiro-ministro da Holanda de 1901 a 1905. Embora a separação entre a igreja e o estado seja necessária para a democracia, os reformados entendem que não deve haver um divórcio entre suas convicções ético-religiosas e sua atuação na vida pública 
(Alderi Souza de Matos)
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postado por :miguel silva

2 comentários:

  1. em linhas gerais está ok, mas o comentário peca pelo excesso de triunfalismo. Algo como "se os calvinistas estiverem no governo, então tudo vai bem". Wilson foi um extraordinário presidente, embora pouco referenciado e seria bom dizer porque foi bom. Tentou romper a política isolacionista dos EUA, levando o país a ter mais responsabilidade na política externa, contribuiu para uma proposta importante de paz em Versalhes no fim da I Guerra, sendo artífice da Liga das Nações. Nos EUA o congresso republicano recusou a entrada do país na Liga e seguiu olhando para o próprio umbigo. Mas, em 1980 os Republicanos elegeram outro presbiteriano, Ronald Reagan, que acelerou a corrida armamentista, apresentou o guerra nas estrelas, iniciou o movimento de redução das políticas de proteção social do Estado e estimulou o neoliberalismo. Há ainda os escândalos de seu governo, cuja CIA traficava drogas e armas secretamente para entregar o dinheiro a rebeldes contra-revolucionários na Nicarágua. Os calvinistas ingleses de Oliver Cronwell, os puritanos também ficaram célebres por políticas de intolerância religiosa, bem como os igualmente intolerantes "pais peregrinos", que apenas foram controlados pelos colonos moderados. Não vejo porque não reconhecer os limites de nossas instituições, até para aprendermos com eles, afinal, se o próprio Paulo dizia que o mal que não queria ele fazia e o bem, não, o que diremos nós de nossos dias?

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  2. É importante diferenciar Calvinismo de Calvinistas, a cosmovisão política calvinista não há dúvida que seja a melhor para ser colocada em prática para um política que visa melhor a integralidade do ser humano, simplesmente porque a cosmovisão calvinista é a Bíblica. No entanto, alguém que se diga calvinista não necessariamente terá uma visão calvinista política.

    Abraços,

    Ronaldo.
    A pena afiada

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